domingo, 1 de julho de 2012

TERAPIA DE GAROTA: DO LADO DE CÁ.


Não era bem o meu sotaque arrastado que chamava a atenção. Os seus modos gentis e o cavalheirismo perdido num século como esse é que se destacaram quando a gente se esbarrou por aí. Você veio de mala e cuia e parece ter atravessado o oceano só para cair aqui em casa. Prazer, eu vim para ficar. E confesso que não vi nada demais na apresentação e naquele destino. Você era assim, um amigo de um amigo que eu iria colocar dentro de casa num país estranho a nós dois. Mas parece que a nossa viagem pro outro lado do mundo não tinha sido em vão. E eu percebi isso bem aí.
Lisboa nunca mais foi a mesma desde que você chegou. Aquelas malas traziam mais do que a sua bagagem costumeira. Traziam você pro lado de cá. E a gente mal sabia que você seria minha casa de alguma forma. Se lembra de quando nós éramos dois desconhecidos dividindo o mesmo teto sem nenhuma primeira ou segunda intenção? Foi então que eu vi em você um daqueles caras que a gente quer manter por perto. Você me deu abrigo sem eu nem precisar de um segundo teto. E foi bom pra mim. O teu abrigo vinha quando a cozinha era fria demais e você tava ali conversando comigo ou lavando os pratos. O teu sorriso vinha quando a gente disputava qual cidade brasileira era melhor: a minha ou a tua – bobagem nossa não prever que a conquista de territórios era a nossa conquista diária.
Eu te chamo de lar. E é engraçado como a gente só fez calor quando o frio dominou o tempo. Um vinho aberto e um carinho. Você achava que eu dormia o tempo todo e eu só aproveitava o gesto confuso e ingênuo que as tuas mãos faziam nos meus cabelos. Na verdade, parecia que você desenhava uma ideia na minha cabeça. Adormeci com o toque e quis mais, sem falar nada. E acordei diferente. Onde estava aquele velho desconhecido que parecia tão íntimo e necessário agora? Mais um pouco de vinho e outro pedido. Pode deitar comigo, querido. Respirei fundo, desliguei o abajur e deixei você me dar abrigo. Deixei que você fosse meu alento, meu amigo, meu beijo escuro naquela noite fria. E daí eu entendi que foi preciso mesmo cruzar o mar para te encontrar aqui longe. Do lado de cá. Do meu lado. A gente se fez de casa porque eu já reconhecia cada parte do seu corpo nos dias que se seguiram. A gente se fez de casa porque eu já conseguia entender aquela felicidade de quando se chega ao lar depois de uma viagem longa. Você fez sorriso de mim e eu te fiz amigo. Mas você teve que ir e deixar a casa fria…
Amantes secretos de capa de livro. Essa era a nossa história. Daquelas que a gente não conta pra ninguém e mesmo assim as pessoas percebem quando cruzam a linha de fogo do nosso olhar. A nossa casa abrigou só a gente e eles não sabiam de nada quando você teve que ir embora e me deixou no inverno. Mas o tempo virou no fim da estação e eu te fiz primavera. As estradas de Portugal resolveram se juntar um pouco para diminuir a distância e te trazer de volta. E o cheiro da nossa casa agora é doce. E faz calor até no inverno. Você me protege e eu te dou abrigo. Você acorda ao meu lado e eu também te dou carinho. E, mesmo quando a gente adormece junto, eu abro um sorriso tímido e disfarçado para você não ver. Mesmo que a gente viva junto, eu sempre quero desconhecer um pouco sobre você e esperar um abrigo amigo de quem me desconheceu na primeira vez. É assim e vai ser assim. Em Portugal ou no Brasil, você vai ser pra sempre o meu doce desconhecido.
(Essa é a história da Dani e do André)

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